Segundo o censo demográfico elaborado pelo IBGE em 2010, o Brasil possui
43,1% (aproximadamente 82 milhões) de pessoas pardas, e um percentual de
pessoas da raça negra 7,6% (aproximadamente 15 milhões). Com relação ao
percentual de pessoas consideradas na classe mais pobre possível, tem-se um
percentual de 16,5%, o que corresponde a aproximadamente 31 milhões de pessoas.
Todos esses dados estatísticos coletados nos levam ao enfrentamento entre a
parte majoritária que compõe a população brasileira (em percentual, menos
favorecida em todos os sentidos) com a parte minoritária composta de pessoas
consideradas de origem cem por cento caucasianas ou pela “elite”, mais
favorecida econômica e socialmente, e que tal como na história conhecida no
mundo (desde a Europa Antiga) são considerados como centrais, relegando aos
demais “fragmentos” à alcunha de “periféricos”.
Mesmo com o passar dos anos e com os “massacres ideológicos”, a própria
história faz questão de registrar e fazer justiça a todos. Ainda que uma mentira
repetida milhares de vezes possa se tornar para os mais leigos a verdade
absoluta, a história é livre para a pesquisa aos que interessam-se por
investigar a verdade, que pode ser ocultada ou maquiada, mas jamais apagada. O
chamado “clube do povão”, bem como seu “pai no futebol” tricolor e aliado a
mais um clube da Zona Sul do Rio de Janeiro e ao outrora grande América, fazia
parte de uma elite que não aceitava a prática do futebol para negros e pessoas
de classe social menos favorecidas. Assim fizeram e assim a crônica esportiva,
de uma forma geral, faz questão de esquecer.
Em seu livro “Para que tanta raça se um gol contra basta”, o jornalista Wellington Lopes destaca
o escritor Mário Filho, que reconhecia a verdadeira revolução que iria mudar os
rumos do futebol, de forma a socializa-lo para as classes menos favorecidas e
que, de fato, são as que melhor representam à população brasileira: a classe
trabalhadora, formada por brancos, mestiços, pardos, negros e de menores
expressões na sociedade. Ainda segundo Mário Filho, “Desaparecera a vantagem de se
ter boa família, de ser estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o
estudante, o branco tinham que competir, em igualdade de condições, com o
pé-rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto para quem jogava melhor. Era
uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro”.
Tais escritas do jornalista foram a constatação da quebra do paradigma
de que o futebol era para elite, responsabilidade essa do Club de Regatas Vasco
da Gama, ao se “atrever” a desafiar à classe dominante e ao vencer o Campeonato
Carioca promovido pela Liga Metropolitana dos Desportos Terrestres (LMDT), em
1923. Revoltados, tais clubes fizeram o impossível para impedir a participação
do Vasco em ligas posteriores, o que para o jornalista Mário Filho, ainda
citado pelo jornalista Wellington Lopes em sua obra, era “uma prova do preconceito
social que predominava na época”, ainda que o profissionalismo
esportivo já desse mostras mais do que claras de ser o novo rumo do esporte
que, àquela altura, já estava a se tornar o mais popular dentre o povo
brasileiro.
Com a publicação da carta histórica publicada um ano depois (1924) pelo
Presidente do Clube, José Augusto Prestes (http://www.supervasco.com/noticias/carta-historica-contra-o-racismo-completa-hoje-87-anos-96042.html)
, o Vasco avançava mais ainda em defesa dos direitos dos menos favorecidos.
Mais do que isso e ainda que se admita, hoje, que o Bangu em suas fábricas de
tecidos já usara alguns negros em seu time em anos anteriores, coube ao Vasco o
dever de tornar formal a primeira ação histórica que causou grande impacto para
o fim do preconceito no esporte, mais especificamente no futebol. Coube ao
clube seus primeiros grandes deveres no qual a sociedade, hoje, alimenta-se de
seus frutos plantados: o profissionalismo esportivo e a defesa pública pelos
renegados à época – fatias sociais estas que são considerados “a cara” do
trabalhador brasileiro:representam o povo sofredor em seu dia-a-dia e que sai
em defesa de sua própria sobrevivência, até mesmo contra o próprio governo que
elege na esperança por dias melhores.
São Januário: templo da resistência
A iniciativa de se construir seu próprio estádio e de ir contra a um modelo
elitista segregador fez com que os trabalhadores vascaínos arrecadassem verba
e, em dez meses, erguessem o mesmo templo em que, quase um século depois, é
solicitado pelos mesmos clubes personagens da segregação naquela época, contudo
até hoje não possuem seu próprio estádio em condições de abrigar grandes jogos.
Mais do que um símbolo de resistência, é uma prova de trabalho árduo para que
se prevalecesse a igualdade de condições para todos no futebol, sendo
eliminados todos e quaisquer pretextos para não se incluir o Vasco na nova liga
criada AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athléticos). Como resultado,
o maior templo do futebol brasileiro durante mais de uma década.Palco,
inclusive, da assinatura de decreto trabalhista que criou o salário mínimo
(1940) e da instituição da Justiça do Trabalho, um ano depois. Fatos esses
ricos em que os“trabalhadores do Brasil” (expressão utilizada pelo Presidente
Getúlio Vargas) reconhecem como de grande importância até os dias atuais.
Quase noventa anos depois, todo o passado é motivo de orgulho e, com certeza,
colocam o Club de Regatas Vasco da Gama a ser reconhecido como o VERDADEIRO
clube que prezou pelo social que simboliza o povo brasileiro. Ainda que exista
reconhecidamente nos dias atuais uma elite capitaneada por veículos de
comunicação e órgãos públicos que desprezem tais acontecimentos, que se furtem
a divulga-los e que , com imensa desfaçatez, já não faz questão de velar sua
preferência por A e B, haverá SEMPRE a herança deixada pela luta dos vascaínos
pelo direito de ser grande e de zelar por seus “filhos”. E a lembrança de uma
bem-aventurança que mobilizou classes que pediam respeito a si próprios.
Afinal, jogadores de grande brilho como Pelé (“Rei do Futebol”), por exemplo,
não queriam como jogar no time tricolor da Rua Plínio Machado, nas Laranjeiras,
sem serem obrigados a se pintarem para jogar futebol.
A falácia propagada
Em programa apresentado no Canal SporTV no ano passado, o jornalista Paulo
César Vasconcelos afirma que o vascaíno "é um torcedor diferente, humilde, que possui a
característica da simplicidade ao invés de fazer marketing e se exaltar por sua
própria história". Não
deixa de estar errado, muito embora seja a própria empresa dona do canal em que
trabalha que ajuda a esconder a realidade e a propagar uma falácia, levando
todos a crerem que o clube rubro-negro – outrora um dos que agiram com
cumplicidade aos demais pela prática do preconceito no esporte – seja a
representação do povo brasileiro, quando os mais entendidos sabem que a missão
de transformar o clube da Gávea nesse (falso) retrato passou pela vontade do
falecido dono da maior emissora de comunicação do Brasil, rubro-negro assumido,
em concomitância com a vontade de alienar uma parcela da população criando-se
uma “massa de manobra” para seus interesses através do esporte mais apaixonante
desse país.
Naquele momento em plena década de 1970, estava criada com mais
formalidade a “Flapress”, de onde através do termo “raça” embutiu nas cabeças
dessa mesma massa uma ilusão de que o clube rubro-negro é, supostamente, a
personificação desse termo. Mesmo tendo que, para tanto, esconder fatos
lamentáveis e vergonhosos, como o caso Wright na Libertadores de 1981, o caso
das “papeletas amarelas” e a estranha suposta ligação de seu ex-Presidente com uma extinta empresa que fazia parte de negociatas com a
FIFA até o ano 2000, segundo conta o livro “Jogo Sujo”, do autor Jennings
Andrew.
O vídeo hospedado abaixo, criado com base na tese da Doutora em Educação Física
Marizabel Kowalski “Por que Flamengo?” (disponível
em http://www.efdeportes.com/efd107/por-que-flamengo.pdf ) dá a exata noção da alienação da
massa e da crença de que justo um dos clubes mais elitizados do Brasil,
domiciliado na Zona Sul do Rio de Janeiro junto com Botafogo e Fluminense,
passe à dimensão de “mais querido do povo brasileiro”.
Marcas de uma luta e o triste papel vascaíno atual
Ainda que não se admita de forma aberta, a luta do Vasco – ao contrários dos
demais, ÚNICO grande clube carioca domiciliado em um bairro humilde do Rio de
Janeiro – trás como consequência para muitos na própria mídia esportiva a
indiferença, a minimização de grandes feitos que, se fosse no rubro-negro,
seriam objetos de grande exaltação. A oposição do Vasco a esse modelo
arquitetado de dominação incomodou durante anos aos interesses de muitos, mas
trouxe para o vascaíno a sensação de orgulho por ter sido o pioneiro nessa luta
pela igualdade no esporte.
Atualmente passivo e sem vontade própria, aceitador de imposições, fazedor de
políticas “pelo bem do futebol do Rio de Janeiro” e sem representatividade junto às
mídias e aos órgãos governamentais em território nacional, a posição que o
Vasco aceita nesse momento histórico passa LONGE de ser o retrato fidedigno dos
mais humildes batalhadores que “ralam” pelos seus direitos, indo inclusive em
contradição tudo que pregou durante sua magnânima própria história de lutas e
que rendeu RESPEITO e EXPRESSÃO durante muito tempo. Coibiu o avanço das redes
de comunicação dominantes que sempre tiveram o intuito – e hoje, aproxima-se de
suas pretensões – de colocar suas “invenções de clubes do povão” como
polarizadoras do futebol dentro de alguns anos, ficando quase impossível a
reversão desse cenário dentro de algum tempo.
Inerte, o Vasco em sua postura atual não seria componente importante da
história que nos orgulhamos quase um século depois, dando graças a DEUS de que,
naqueles tempos, havia sentimento de luta ao invés de subserviência. Concede de
forma irresponsável um termo de veto de seu próprio estádio para que os demais
considerados grandes e com suporte do poder público não joguem contra nosso
clube em nossa casa, mas permite que um clube sem escrúpulos o utilize para
seus jogos na Libertadores. Inclusive, até aceitaria uma final entre o mesmo
clube e o clube do ex-Presidente do IBOPE e alvinegro que, em entrevista
concedida recentemente, desprezou a São Januário, menosprezou o Vasco e o
rotulou como “freguês”. Ainda que sua cessão a essa dupla seja por dinheiro,
mas o correto é que a AUTOESTIMA, a DIGNIDADE e a HONRA não se vendem, muito
menos para os que seriam “os astros” de uma, até então, possível decisão de campeonato
em São Januário.
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